segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Crónica da Estação dos Correios

Tanto silêncio nesta casa e tanta voz que me fala. Da janela vejo as mulheres que sobem a rua levando os sacos do supermercado. A rua é inclinada e elas devagarinho passeio acima, com os tendões dos braços saídos, os tendões do pescoço saídos, o cabelo a tremer. Porque razão me comovem na manhã suja, outonal, de setembro? As árvores começam a perder as folhas, pombos por aqui e por ali, vários cinzentos feios nas nuvens. Um par de homens a consertarem não sei quê num buraco. Deve ser isto o que as pessoas chamam vida e, se é isto, que miséria: ninguém sorri. Tenho de ir aos Correios buscar livros da América, de França, do raio que o parta: tira-se um papelinho com um número, espera-se entre gente que espera. Da última vez tirei o número 65, ia a procissão no 12. Fico séculos para ali, a olhar.

Espera-se para tudo, somos feitos não de carne, de paciência, se calhar já nascemos com um papelinho na mão.

Retire aqui o seu bilhete e aguarde a sua vez. Aguardo a minha vez. Desde que me conheço que aguardo a minha vez. A minha vez de quê? E lá fora uma chuvinha sem peso. Um princípio não bem de frio, de desconforto.

António Lobo Antunes

1 comentário:

manuhell disse...

é a esperança que nos move, a esperança que é a vida, a esperança não sei bem de quê.